sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Corrupção cultural ou organizada?

Precisamos evitar que a necessária indignação com as microcorrupçoes “culturais” nos leve a ignorar a grande corrupção.
  
Ficamos muito atentos, nos últimos anos, a um tipo de corrupção que é muito freqüente em nossa sociedade: o pequeno ato,que muitos praticam, de pedir um favor, corromper um guarda ou, mesmo, violar a lei e o bem comum para obter uma vantagem pessoal. Foi e é importante prestar atenção a essa responsabilidade que temos, quase todos, pela corrupção política – por sinal, praticada por gente eleita por nos.
Esclareço que, por corrupção, não entendo sua definição legal, mas ética. Corrupção é o que existe de mais antirrepublicano, isto é, mais contrario ao bem comum e à coisa publica. Por isso pertence à mesma família que trafega pelo acostamento, furar a fila, passar na frente dos outros. Às vezes é proibida por lei, outras, não.
Mas, aqui, o que conta é seu lado ético, não legal. Deputados brasileiros e britânicos fizeram despesas legais, mas não éticas. É desse universo que trato. O problema é que a corrupção “cultural”, pequena, disseminada – que mencionei a cima – não é a única eu existe. Alias, sua existência nos poderes públicos tem sido devassada por inúmeras iniciativas da sociedade, do Ministério Publico, da Contas União ( que serve ao Legislativo).
Chamei-a de “corrupção cultural” pois expressa uma cultura forte em nosso pais, que é a busca do privilegio pessoal somada a uma relação com o outro permeado pelo favor. É, sim antirrepublicana. Dissolve ou impede a criação de laços importantes. Mas não faz sistema, não faz estrutura.
Porque há outra corrupção que, essa, sim, organiza-se sob a forma de complô para pilhar os cofres públicos – e mal deixa rastros. A corrupção  “cultura” é visível para qualquer um. Suas pegadas são evidentes. Bastou colocar as contas do governo na internet para saltarem aos olhos vários gastos indevidos, os quais a mídia apontou no anos passado.
Mas nem a tapioca de R$ 8 de um ministro nem o apartamento de um reitor – gastos não republicanos – montam um complô. Não fazem parte de um sistema que vise a desviar vultosas somas dos cofres públicos. Quem desvia essas grandes somas não aparece, a não ser depois de investigações demoradas que requerem talentos bem aprimorados – da policia, de auditores de crimes financeiros ou mesmo de jornalistas muito especializados.
O problema é que, ao darmos tanta atenção ao que é fácil de enxergar (a corrupção “cultural”), acabamos esquecendo a enorme dimensão da corrupção estrutural, estruturada ou, como eu chamaria, organizada.
Ora, podemos ter certeza de uma coisa: um grande corrupto não usa cartão corporativo nem gasta dinheiro da Câmara com a faxineira. Para que vai se expor com migalhas? Ele ataca somas enormes. E só pode ser pego com dificuldade.
 Se lembrarmos que AI Capone acabou na cadeia por ter fraudado o Imposto de Renda, crime bem menor do que as chacinas que promoveu, é de imaginar que um megacorrupto tome cuidado com suas contas, com os detalhes que possam leva-lo à cadeia – e trate de esconder bem os caminhos que levam a seus negócios.
Penso que devemos combater os dois tipos de corrupção. A corrupção enquanto cultura nos desmoraliza como povo. Ela nos torna “blasé”. Faz-nos perder o empenho em cultivar  valores éticos. Porque a republica é o regime por excelência da ética na política:aquele que educa as pessoas para que prefiram o bem geral à vantagem individual. Daí a importância dos exemplos, altamente pedagógicos.
Valorizar o laço social exige o fim da corrupção cultural, e isso só se consegue pela educação. Temos de fazer que as novas gerações sintam pela corrupção a mesma ojeriza que uma formação ética nos faz sentir pelo crime em geral.
Mas falar só na corrupção cultural acaba nos indignando com o pequeno criminoso e poupando o macrocorrupto. Mesmo uma sociedade como a norte-americana, em que corromper o fiscal da prefeitura é bem mais raro, teve há pouco um governo cujo vice-presidente favoreceu, antieticamente, um empresa de suas relações na ocupação do Iraque.
A corrupção secreta e organizada não é privilegio de pais pobre, “ atrasado”. Porem, se pensarmos que corrupção mata – porque desvia dinheiro de hospitais, de escolas, da segurança -, então a mais homicídios é a corrupção estruturada. Precisamos evitar que a necessária indignação com as microcorrupções “culturais” nos leve a ignorar a grande corrupção. É mais difícil de descobrir. Mas é ela que mata mais gente.

Renato Janine Ribeiro
Folha de S. Paulo, 28/6/2009

Renato Janine Ribeiro, 59, é professor titular de ética e filosofia política do Departamento de Filosofia da USP. É autor, entre outras obras, de Republica ( Publifolha, Coleção Folha Explica).

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Um comentário:

  1. meninas, o blog de vocês está "bombando", como dizem os jovens. Adorei o formato, o colorido suave e o capricho na postagem dos artigos e vídeos. Incentivem os alunos a comentarem o blog, ok? Parabéns, bjs, Tamar.

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